12.09.2020; comemora-se hoje uma das efeméridas ferroviárias mais significativas em Portugal, mas igualmente na Península Ibérica; a introdução da tração elétrica em serviço comercial. A honra coube à Companhia Carris de Ferro do Porto, que demonstrando grande arrojo e uma incansável vontade de inovar, resolveu apostar numa tecnologia ainda pouco divulgada no país, para mais numa aplicação que para todos os efeitos e para a maioria dos cidadãos comuns da época, estaria para além do domínio da imaginação.
Havia boas e bem fundamentadas razões para que um operador de serviços ferroviários urbanos como a Carris do Porto se lançasse de forma tão decidida em tal empreendimento, os sistemas de tração que até então utilizara – tração animal desde 1872, e tração a vapor desde 1878 -, tinham associados custos de exploração substancialmente elevados, e do ponto de vista técnico a peculiar orografia da Cidade Invicta no seu centro histórico era sumamente complicada, obrigando a utilizar múltiplas parelhas de muares para vencer os acentuados declives das diversas ruas onde os Carros Americanos circulavam. Foi por isso a escolha mais adequada, permitindo não só uma substancial redução de custos operacionais, como ainda uma maior fluidez de exploração. Daí que até 1904, a generalidade do sistema, com exceção da linha desde a Boavista até Matosinhos, operada com tração a vapor, num caso único de longevidade em Portugal (1878-1914), tenha sido convertida para o novo modo de tração.
A rede dos Elétricos do Porto foi crescendo de forma tentacular e sustentada até se transformar praticamente numa rede urbana densa e suburbana, de proximidade, tentacular, servindo a conurbação portuense de forma abrangente, transportando passageiros, e de forma invulgar para uma rede ferroviária citadina, mercadorias, assumindo-se como uma potente ferramenta de mobilidade que ajudou a crescer o Porto e seus arredores, tornando-se um dos seus motores de desenvolvimento.
Até finais da década de 40 do século passado, o Elétrico reinou de forma suprema as ruas do Porto, quando, já propriedade municipal e administrado pelos então STCP (desde 1946), passou a ter companhia na sua missão, com autocarros complementando os seus trajetos. Mas igualmente surgiram as primeiras interrogações no seu futuro, e a sua nova entidade administrativa, no início da década seguinte, pela substituição médio prazo dos elétricos por troleicarros. Mesmo com este enquadramento, a rede de elétricos foi alvo de algum investimento, e até modernização limitada, mas um projeto que então surgiu, mais aprofundado, foi abandonado. É assim que em 1959, depois do sistema atingir o seu auge, que se iniciam as primeiras contrações na rede, com o encerramento das linhas servindo a zona de Vila Nova de Gaia. As décadas seguintes serão marcadas por descontinuações sucessivas de serviços, numa espiral de continuidade que se vai manter até aos anos 80.
Com a chegada dos anos 1990 a rede parecia condenada, chegando a temer-se pelo seu futuro. Mas é também nesta altura que se assume o inestimável valor histórico da rede, veículos e edificado, o que leva a criação do excelente Museu do carro Elétrico (MCE) em 1992. É certo que se verificaram mais algumas contrações da rede, nomeadamente a desativação da linha para Matosinhos em 1993, mas por esta altura as muitas dificuldades afetando o sistema de mobilidade da área Metropolitana do Porto levaram ao surgimento de uma solução abrangente e ainda por cima ferroviária; o Metro do Porto, sucessor direto e digno dos clássicos elétricos, servindo zonas onde este passou, de forma sumamente eficiente e apreciada por todos. E com o surgimento do seu neto, os clássicos elétricos renascem, com a rede crescendo novamente. Pelo caminho transformaram-se em ex libris da Invicta, prestando serviços Heritage, um ícone da cidade e do país, que muitos querem experimentar. É um epílogo fantástico para a sua longuíssima vida. Certamente continuarão a circular por muito tempo, espalhando charme nas ruas do Porto.